quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Artigo: sobre a África II

BEM ALÉM DA ORTOGRAFIA
Artistas e intelectuais defendem projetos de integração mais amplos entre os países de língua portuguesa, sobretudo entre o Brasil e África lusófona

O Brasil precisa conhecer a África. Essa é uma reclamação feita em coro nos países da África lusófona. "Nós compartilhamos alguma identidade. A língua é uma ponte que pode nos ajudar a consolidar essas nossas identidades. Pode haver uma articulação oficial entre os países, mas eu acredito que a integração deveria ser motivada através da cultura", defende Tony Tcheka.

A mesma opinião é do escritor Ondjaki, que, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, há dois anos, sugeriu que fossem realizados "encontros regulares, diálogos culturais, ao menos um encontro anual, reunindo os oito países que falam português como língua oficial, com a participação de escritores, pintores, músicos..."

Ondjaki identifica o surgimento de uma geração nova de artistas trabalhando, em diferentes áreas, o conceito de uma África moderna. "Nós recusamos a compaixão para com o continente africano; recusamos a visão exótica, idiótica, que fazem, às vezes, da nossa literatura. E apostamos em uma modernidade africana, que tenha uma expressão livre."

José Eduardo Agualusa, sócio no Brasil da editora Língua Geral, que só publica autores dos países lusófonos, é outro a reforçar essa ideia e sugerir, de forma direta, medidas que podem facilitar o intercâmbio cultural entre o Brasil e os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (Palop): "eliminação de taxas alfandegárias sobre livros, discos, filmes e outros produtos culturais; apoio à edição de livros de autores brasileiros nos Palop e de africanos no Brasil; oferta de bolsas de criação artística para escritores residentes e prêmios, em diferentes áreas, para trabalhos de aproximação entre os povos; criação de um "passaporte lusófono"; apoio à criação de meios de comunicação que se proponham a estabelecer pontes culturais entre os países de língua portuguesa". Essas foram algumas das ideias que o escritor apresentou no Fórum Brasil África - Política, Cooperação e Comércio, realizado em Fortaleza, há cinco anos.

Na ocasião, Agualusa emocionou o público, ao discursar: "Penso, muitas vezes, em Angola e no Brasil como dois irmãos separados durante a infância. Um partiu para terras distantes e prosperou. O outro ficou na aldeia natal, mas foi seguindo sempre, através dos jornais, através das televisões, o destino do irmão. Quando um dia se reencontram, o irmão rico ignora o pobre; o pobre, pelo contrário, conhece tudo sobre o rico, as suas vitórias e os seus dramas, e incomoda-o a ignorância do irmão."

Para os escritores, o acordo ortográfico foi importante, mas de muito pouco alcance para a integração almejada. "O que inviabiliza a leitura dos livros são os preços, quase sempre muito altos por conta dos impostos praticados entre os países", pondera Ondjaki.

Fora os artistas e intelectuais, alguns empresários também já atentam para a importância da integração entre o Brasil e a África lusófona, sobretudo no que diz respeito à educação e à transferência de conhecimentos. Há um ano, o economista Nei Cardim, Vice-Presidente do Conselho Federal de Economia, coordenou a participação brasileira no VII Encontro de Economistas de Língua Portuguesa, realizado em Maputo, Moçambique. De volta ao Brasil, após o evento, ele defendeu: "O grande avanço conseguido pelo Brasil nos diversos campos do conhecimento deve ser colocado à disposição dos africanos".

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